Era noite, quase hora da janta, fiquei sabendo que Cristiano havia me procurado e deixou o recado que depois falava comigo, eu me levantei, fui até a cozinha fiz o prato e levei minha janta para quarto, papai só me olhou de longe, mas nada disse. Eu iria para São Paulo com ou sem a autorização dele, estava decidida.
Arrumei a mochila, peguei o dinheiro que tinha guardado, saltei a janela e fui para a casa do Cristiano, ele na certa me ajudaria. Assim fugi de casa, uma loucura que Cristiano mesmo contrariado me ajudou a realizar, eu passei a noite na cabana perto do lago e pela manhã fui para a Rodoviária, arrumei a passagem para São Paulo e depois que chegasse lá ligaria para a casa do Cris, havíamos combinado tudo, ele só avisaria meus pais depois do meu telefonema, quanto ao lugar onde eu iria ficar, havia pegado o endereço de Sônia e iria para a casa dela convencê-la me deixar ficar lá, assim meus pais teriam que me transferir ou pelo menos pensar no assunto.
Cheguei em São Paulo era final de tarde, Terminal Rodoviário Tietê, confirmei o nome do lugar com um taxista e segui de metrô para o endereço anotado, me disseram para fazer troca de metrô para a linha verde na estação Paraíso e depois descer na estação Brigadeiro que sairia na avenida principal, lá seria melhor perguntar de novo desci na Av. Paulista, não deveria estar longe. Liguei para o Cristiano dizendo que já havia chegado e estava indo para casa de Sônia, ele ligaria para os meus pais como de combinado, disse que tinha certeza que seu pescoço estaria na forca por ter me ajudado, mas que valeu a pena afinal eu era sua melhor amiga.
Estava escurecendo, eu havia ficado zanzando pela avenida nas lojas que vi, esquecendo-me que deveria ter ido direto para a casa de Sônia, a esta altura meus pais já deviam ter ligado pra lá, procurei o papel com o endereço e o telefone dela e segui a pé, pelo que haviam dito o lugar ficava a três quadras em frente, uns quarenta minutos de onde eu estava.
Percebi que havia alguns garotos me seguindo acelerei o passo, eles também, então comecei a correr as poucas pessoas que passavam por ali não perceberam a agitação virei a esquina, fiz mal me afastando da avenida principal, eles me alcançaram, conseguiram me derrubar, três garotos e uma menina; eram de estatura média eu estava apavorada e levei um chute ao tentar acertar um deles com a mochila, que logo foi arrancada de minha mão, saíram correndo, gritei algumas vezes, mas ninguém parou, passei por duas cabines policiais que estavam vazias, eu havia me perdido, agora estava sem os telefones e o endereço da casa. Para piorar o telefone do Cristiano e o de casa não recebiam chamadas a cobrar, a dor do chute era insuportável. Droga!
Toda vez que eu tentava pedir ajuda as pessoas desviavam, nem mesmo olhavam para mim. Uma viatura passava devagar, fiz sinal com as mãos e o farolete acendeu em minha direção. Pararam o carro, um deles desceu e o outro ficou no carro.
- Algum problema? O que faz a esta hora aqui sozinha?
- Fui assaltada, cheguei de viagem hoje, estava a caminho da casa de minha tia, mas me perdi, uns garotos me seguiram...
Após contar a estória fui levada para a delegacia onde ligaram para meus pais, que deram o endereço da casa de Sônia e disseram que estariam em São Paulo no dia seguinte, fui levada pelos policiais até o endereço que meus pais deram a eles, mas não sem antes passar pelo médico para examinar a pancada e ouvir um sermão deles e outro ao chegar na casa de Sônia.
Eu estava mesmo encrencada, fui dormir com as costelas doendo, pelo menos não tinha quebrado nenhuma. Fiquei sabendo que o Cristiano estava de castigo e que meu pai estava uma fera, chegaria logo após o almoço, não saí do quarto a manhã toda, a conversa não seria boa e eu havia estragado tudo.
Meu pai chegou, não falou muito comigo, apenas perguntou se eu estava bem, fiz um sinal positivo então Sônia pediu para que eu os deixasse, pois tinham muito que conversar. Voltei para o quarto e lá fiquei até o fim da tarde, chamaram-me para tomar café, fiquei surpresa ao saber que meu pai havia me deixado ficar e que traria minhas coisas e a transferência da escola na outra semana. Sônia havia convencido meu pai, mas deixou clara quais eram as regras da casa e que eu ficaria só até terminar o segundo grau com curso profissionalizante, meu pai insistia que eu fizesse a faculdade em Minas, bem não concordei, mas não era hora para isso.
Os anos passaram rápidos, visitei meus pais todo o final de ano, no final do terceiro ano e minha formação, meus pais vieram ver, foi tudo muito bom até eu anunciar que não voltaria para Frutal, que pretendia fazer minha faculdade em São Paulo, o que rendeu uma briga maior que quando fugi.
Meu pai me deserdou de vez, disse que eu não precisava visitá-lo mais, que não seria recebida lá se ele estivesse em casa. Sônia disse que eu poderia ficar lá, mas teria que arrumar um emprego e ajudar nas despesas já que usei o argumento de ter dezoito anos e ser responsável para não voltar.
Visitei-o nos três anos seguinte, mas como o prometido,para ele eu não existia mais, somente mamãe falava comigo...